Migrantes e Saúde Mental

Migrantes e Saúde Mental

MIGRAÇÕES E SAÚDE MENTAL

As migrações são uma realidade frequente nos dias atuais. Por razões diferentes muitas pessoas no mundo deixam os seus países de origem para residirem noutros países. Já estão identificados no presente vários fatores determinantes da saúde mental nessas circunstâncias. Nunca, como no presente existiram tantas pessoas deslocadas no mundo.

Alguns deslocam-se por opção própria, outros, porém, são compelidos a deixar os seus países de origem dadas as dificuldades e os obstáculos (alguns insuperáveis) que encontram no seu quotidiano.

Certamente, concordaremos que nas duas circunstâncias as mudanças associadas são efetivas (as evidências têm-no demonstrado) constatando-se que, dada a sua confluência num determinado período da vida da pessoa, esta confronta-se com várias exigências inerentes ao impacto das mesmas, quer a nível individual quer nas comunidades às quais chegam. Esta etapa perspetiva-se como um período de transição no qual a pessoa encontra-se mais suscetível quer ao nível da respetiva saúde quer da sua adaptação a novas circunstâncias, o qual pode ser gerador de oportunidades e desafios, mas, em paralelo, de constrangimentos e riscos elevados.

Destaca-se a relação pessoa-ambiente como influente na saúde mental, sendo necessário considerar-se a complexidade da mesma, derivada das múltiplas dimensões e variáveis bio, psico, sócio, culturais, espirituais e ambientais envolvidas. É importante que todos os profissionais, mormente os que se encontram na linha da frente no atendimento às pessoas migrantes, nas diversas organizações e serviços, estejam preparados para realizar-lhes o acolhimento, frequentemente em situações de vulnerabilidade acrescida, compreendendo-as com as suas singularidades, informando-as com clareza e promovendo também a orientação e o suporte necessários, face às necessidades identificadas e às respostas possíveis no país. Os referidos profissionais precisam ter a formação apropriada não apenas do ponto de vista técnico, mas também, devem ter desenvolvido a sensibilidade e a competência transcultural, tão importantes para o reconhecimento das idiossincrasias culturais e individuais. Ponto essencial é que através da comunicação se viabilize o entendimento entre os profissionais e os clientes migrantes, a fim de serem satisfeitas as necessidades essenciais presentes, num ambiente amistoso e de respeito mútuo.

Seguidamente serão referenciadas algumas variáveis (não exclusivas de outras possíveis) com influência na saúde mental que deverão ser ponderadas aquando do acesso e no acolhimento de pessoas migrantes pelos profissionais da equipa de saúde/ saúde mental:

  • Cariz voluntário ou involuntário da migração
  • Preparação prévia ou não da chegada ao país de destino
  • Cariz temporário, incerto ou definitivo da migração
  • Razões que levaram à saída do país de origem e significados atribuídos às mesmas
  • Condições ambientais no país recetor
  • Condições afetivas e emocionais da pessoa migrante
  • Estádio de desenvolvimento vital
  • Condição geral de saúde e de saúde mental
  • Condições de segurança e de satisfação de necessidades básicas
  • Existência ou não de vínculos afetivos e culturais prévios e depois da chegada
  • Domínio ou não do idioma ou possibilidade ou não de alternativas que possibilitem a comunicação e as interações
  • Disponibilidade e acesso a suportes sociais e na área da saúde e da saúde mental

Quanto à preservação da saúde mental existem questões fundamentais que se colocam. É importante providenciar os recursos e os meios que permitam um trabalho estruturante/ reestruturante não apenas a nível físico, mas também a nível psicológico, social e espiritual. O processo de readaptação pessoal bem como o de aculturação a uma nova realidade levam algum tempo e nem sempre acontecem da melhor maneira.

Preservar ou recuperar o equilíbrio dinâmico para viver integrado numa outra cultura implica com alguma frequência sofrimento associado à perda de referências sócio culturais e afetivas muito significativas (ainda que temporárias) antes de interiorizar e integrar outras novas e diferentes. Certamente é preciso reaprender a existir, sobreviver, mantendo a identidade própria e a coerência interna, nomeadamente a nível psíquico, apesar do lugar e das realidades que mudaram.

No suporte à saúde mental das pessoas migrantes considera-se de suma relevância a disponibilidade e o acesso a respostas sensíveis e culturalmente competentes por parte dos diferentes elementos da equipa de saúde e de saúde mental.

Na preservação do equilíbrio mental salientam-se três eixos primordiais:

  • o trabalho sobre as relações
  • o trabalho sobre as diferentes dimensões da identidade
  • o trabalho sobre a coerência e o sentido das situações vividas

No conjunto mais amplo de diferentes intervenções preventivas e terapêuticas que poderão ser mobilizadas, será também pertinente considerar a oportunidade e a adequação de estratégias de mediação, nomeadamente entre:

  • duas línguas
  • dois universos culturais
  •  um “antes e um depois”
  • outro lugar e outra maneira.
  • o interior e o exterior da PESSOA,
  • entre o inconsciente e o consciente,
  • entre o que é dito e não é dito,
  • entre o que transparece e o que é mais subtil.

A intervenção terapêutica em saúde mental procura restaurar a capacidade de tornar coerente o que ficou caótico ou fragmentado conferindo espaço e tempo para que a pessoa prossiga, para que “a catástrofe” (a situação de transição) e os sofrimentos causados por ela sejam superados, ou, pelo menos suportáveis. É necessário que essa pessoa possa abrir-se ao novo espaço de vida, à sociedade de acolhimento e construir vínculos significativos com o meio social, por meio do trabalho, da rede de relações sociais, da permanência dos contactos com os compatriotas.

Sublinha-se a importância da reparação, para que a recuperação seja completa e possível.

O ressentimento e a atitude reivindicadora, tão frequentemente observados como expressão de sofrimento, tendem quando criadas condições favoráveis, a apaziguar-se.

Há diferentes formas de compreensão e diferentes significados das doenças em culturas diferentes. Os profissionais devem escolher o modelo de intervenção que permita aos clientes a compreensão do seu próprio problema.

Geralmente o processo de integração ocorre entre duas culturas quando a decisão é identificar-se com e exibir as características tanto da sua cultura original com a cultura predominante do país de chegada. Todavia, a separação ocorre quando o imigrante retém a sua identidade cultural original e não quer adotar a cultura predominante do país em que vive.  Voluntária ou involuntariamente?

Se voluntariamente o indivíduo realiza uma separação da nova cultura.

Se a estratégia é imposta ao indivíduo pela cultura predominante conduz à segregação da pessoa imigrante do núcleo da sociedade.

Na situação de marginalização é de pouco interesse identificar-se com ou desprezar a cultura original ou a nova cultura. No fundo, o indivíduo vive à margem das duas culturas. O indivíduo não é aceite ou tolerado na cultura predominante.

Etnocentrismo: A tendência para como seres humanos considerarmos a nossa própria cultura como a melhor. Os profissionais de saúde (podem ver a sua própria realidade como a única verdadeira ou com valor e perdem de vista a perspetiva do cliente).

Funchal, 6 maio 2025

Isabel Fragoeiro, PhD em Saúde Mental

Coordenadora do ORSMM

Professora Coordenadora – Universidade da Madeira, Escola Superior de Saúde

ORSM

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