A saúde mental dos adolescentes tem sido incluída e realçada nas prioridades para a intervenção determinadas pela Organização Mundial de Saúde, mas também, na senda da concretização dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas, cuja meta prevista é o ano 2030 (1).
Algumas constatações contextualizam a necessidade de intervenções baseadas em evidências científicas nesta etapa de desenvolvimento crucial:
– Os transtornos mentais representam uma proporção considerável da carga mundial de morbilidade relacionada com a adolescência, constituindo a primeira causa de disfuncionalidade entre os jovens;
– Aproximadamente metade dos problemas de saúde mental manifestam-se antes dos 14 anos;
– O suicídio é uma das três principais causas de morte entre os adolescentes mais velhos;
– Os problemas de saúde mental durante a adolescência podem ser percussores de vários comportamentos de alto risco; tais como as condutas autolesivas, o consumo de tabaco, de álcool e de outras substâncias, os comportamentos sexuais de risco e a exposição à violência, cujos efeitos persistem e acarretam graves consequências durante toda a vida;
– A adolescência é um momento idóneo para promover a saúde e prevenir enfermidades. Aproveitar essa oportunidade resulta em benefícios para os jovens a curto e a longo prazo.
– A adolescência considera-se uma das etapas ótimas para as intervenções, dada a neuroplasticidade do cérebro adolescente e a possibilidade de intervir exatamente quando se iniciam a maioria dos problemas de saúde mental e os comportamentos de risco.
Objetivo, abrangência e público destinatário:
As diretrizes oferecem recomendações baseadas em provas científicas sobre intervenções psicossociais dirigidas a promover a saúde mental e a prevenir os transtornos mentais entre os adolescentes. Têm como objeto apoiar a programação de intervenções com fundamento científico para obter esse objetivo. As diretrizes baseiam-se em dados científicos provenientes de estudos realizados em crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos.
Incidem essencialmente em:
Resultados da análise aos dados científicos:
Os principais destinatários das Diretrizes são as autoridades nacionais por formular políticas, os planificadores e os administradores de programas de saúde governamentais e não governamentais as pessoas que trabalham em organismos internacionais de saúde e desenvolvimento.
Sumário das RECOMENDAÇÕES
Deveriam oferecer-se intervenções psicossociais universais dirigidas a todos os adolescentes. Estas intervenções promovem uma boa saúde mental e previnem e reduzem o comportamento suicida, os transtornos mentais (como a depressão e a ansiedade), as condutas problemáticas de agressividade ou de oposição e o consumo de substâncias.
Força da recomendação: Forte
Certeza das provas: Baixa
Observações importantes: de acordo com as provas disponíveis, as intervenções deveriam centrar-se na aprendizagem social e emocional, na resolução de problemas, nas atitudes interpessoais, na atenção consciente, na assertividade e na gestão do stresse (7).
Justificação: Em muitos casos as certezas das provas baixaram porque os estudos estavam sujeitos ao risco de viés, tanto pela dificuldade de mascaramento das intervenções como pela dependência de resultados comunicados pelos próprios interessados, dois fenómenos que são muito habituais neste tipo de estudos de intervenção. Sem dúvida que foi emitida uma recomendação forte apesar da escassa certeza das provas, porque os resultados dos estudos se consideraram muito coerentes e porque se chegou à conclusão de que se poderiam obter benefícios significativos porque superavam com ganhos os possíveis danos. Ademais, a recomendação sustentou-se em várias recomendações sobre valores, viabilidade e custo-eficácia. As intervenções universais em escolas podem ser mais fáceis de executar e é menos provável que provoquem estigmatização, em comparação com as intervenções que requerem uma seleção de participantes. Quando se realizam em escolas, as intervenções podem abordar vários fatores de risco e ajudar grande parte dos adolescentes, uma vez que lhes proporcionam atitudes básicas que promovem a saúde mental e previnem as condutas de risco.
Recomendação B:
Deveriam oferecer-se intervenções psicossociais dirigidas aos adolescentes que vivem num contexto de emergência humanitária. Estas intervenções são especialmente benéficas para prevenir os transtornos mentais (depressão, ansiedade e transtornos relacionados especificamente com o stresse e devem ser disponibilizadas aos adolescentes para reduzir o consumo de substâncias.
Força da recomendação: Forte no tocante à redução de sintomas ou à prevenção dos transtornos mentais (depressão, ansiedade e transtornos relacionados especificamente com o stresse). Condicional no referente especificamente ao consumo de substâncias.
Certeza das provas: Baixa.
Observações importantes: Os adolescentes expostos a emergências humanitárias receberam ou recebem intervenções psicossociais muito diversas. Há que ter em conta a natureza heterogénea das experiências relacionadas com os acontecimentos de emergência. Por conseguinte é importante interpretar os resultados dos estudos com cautela. As provas disponíveis apontam que a gestão do stresse, as estratégias de relaxamento e o cuidado do bem-estar da pessoa encarregada de executar a intervenção são os componentes que se traduzem em maior efetividade. No caso dos adolescentes que estiveram muito expostos a situações traumáticas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) centrada no trauma demonstrou efeitos positivos na redução de sintomas de depressão, ansiedade e stresse (8,9). Demonstrou-se que as de TCC em grupo surtem efeitos positivos nos sintomas de outros adolescentes expostos a acontecimentos stressantes (10).
Justificação: em muitos casos baixou a certeza das provas porque os estudos estavam sujeitos a risco de viés, tanto pela dificuldade de mascaramento das intervenções como pela dependência de resultados comunicados pelos próprios interessados, dois fenómenos que são muito habituais neste tipo de estudos de intervenção. Sem dúvida, pese a baixa certeza das provas, pôr em prática psicossociais encaminhadas a reduzir os sintomas dos transtornos mentais evidenciou-se como uma recomendação forte, dado que os benefícios clínicos que se podem obter superam com ganhos os possíveis danos. Para além disso, entram em jogo considerações importantes sobre valores, equidade e viabilidade que sugerem que os programas de prevenção das doenças mentais devem priorizar os adolescentes expostos a emergências humanitárias. As provas corroboram a ideia de que todos os adolescentes devem ter acesso a intervenções psicossociais universais. A alta prevalência dos transtornos mentais nos contextos em que vivem a maioria dos adolescentes expostos a emergências humanitárias. assim como a enorme brecha terapêutica que domina esses contextos, fazem com que os argumentos a favor das intervenções psicossociais nesta população, resultem ainda mais convincentes. Não obstante, é preciso ter em conta o perfil dos adolescentes e o seu diferente nível de exposição, dada a heterogeneidade de experiências e de circunstâncias. A maioria dos estudos realizaram-se em países de médios e baixos rendimentos; uma terceira parte examinou as intervenções realizadas por não especialistas. Por fim, as conclusões são diretamente pertinentes nos contextos em que vivem a maioria dos adolescentes expostos a emergências humanitárias.
Recomendação C:
Deveria colocar-se a possibilidade de introduzir intervenções psicossociais dirigidas a adolescentes grávidas e a progenitores adolescentes, especialmente com o fim de promover a boa saúde mental (funcionamento intelectual e bem-estar mental) e melhorar a sua frequência à escola.
Força da recomendação: Condicional.
Certeza das provas: Baixa.
Observações importantes: Considerando as provas disponíveis, cabe-nos colocar a possibilidade de oferecer às adolescentes grávidas e às mães das adolescentes programas cognitivo-comportamentais de fortalecimento de competências (11).
Recomendação D:
Deveriam oferecer-se intervenções psicossociais aos adolescentes com problemas emocionais.
Força da recomendação: Forte no tocante à redução de sintomas de depressão/ansiedade, à prevenção de transtornos mentais (depressão e ansiedade) e à promoção da boa saúde mental. Condicional no que diz respeito a melhorar a assistência na escola.
Certeza das provas: Muito baixa.
Observações importantes: Tendo em conta as provas disponíveis, cabe colocar-se a possibilidade de pôr em prática TCC em grupo para adolescentes com sintomas emocionais (12).
Justificação: Em muitos casos as certezas das provas baixaram porque os estudos estavam sujeitos ao risco de viés, tanto pela dificuldade de mascaramento das intervenções como pela dependência de resultados comunicados pelos próprios interessados, dois fenómenos que são muito habituais neste tipo de estudos de intervenção. Sem dúvida, pese a certeza das provas ter sido qualificada como muito baixa, emitiu-se uma recomendação forte de reduzir os sintomas de depressão ou ansiedade e prevenir os transtornos mentais (depressão e ansiedade) assim como de promover a boa saúde mental nos adolescentes com problemas emocionais. O motivo é porque os benefícios compensam os danos potenciais. Ademais, entram em jogo considerações importantes sobre valores, equidade e custo-eficácia que justificam intervir em intervenções específicas para este grupo de risco. A má saúde mental dos adolescentes é um fator de risco fundamental que pode desencadear problemas de saúde física e mental mais adiante. Demonstrou-se que é crucial intervir quanto antes nos adolescentes que apresentam problemas emocionais, para prevenir a progressão dos problemas de saúde mental e melhorar as suas trajetórias vitais e de saúde
Recomendação E:
Deveriam oferecer-se intervenções psicossociais específicas dirigidas aos adolescentes com condutas problemáticas e comportamentos de oposição. Estas intervenções reduzem as condutas agressivas e problemáticas e o comportamento de oposição, previnem os transtornos mentais (depressão e ansiedade) e promovem a boa saúde mental. As intervenções devem realizar-se com cautela para evitar o consumo de substâncias entre os adolescentes com condutas problemáticas ou comportamentos de oposição.
Força da recomendação: Condicional.
Certeza das provas: Segundo as provas disponíveis os adolescentes que correm risco de sofrer transtorno da conduta ou aqueles a quem foi diagnosticado este transtorno, as intervenções mais eficazes são as que incluem a formação para os progenitores baseada em enfoques de aprendizagem social, e a formação social, cognitiva, de resolução de problemas e de atitudes interpessoais para os adolescentes. Também se podem realizar formações com múltiplos módulos tanto para os adolescentes como para os seus progenitores baseadas num modelo de aprendizagem social (13).
Resumo e tradução adaptados por Isabel Fragoeiro (PhD Saúde Mental, Coordenadora do ORSMM). Qualquer contacto use por favor o email: isabel.fragoeiro@staff.uma.pt
(julho 2023)
Organização Mundial de Saúde
Correio electrónico: mhgap-info@who.int Sitio web: www.who.int/teams/mental-health-and-substance-use
Suggested citation. Guidelines on mental health promotive and preventive interventions for adolescents: helping adolescents thrive. Geneva: World Health Organization; 2020. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO
Referências:
1. Transformar nuestro mundo: la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible. Nueva York, Naciones Unidas, 2015.
2. World Population Prospects 2019, revisión 1 [datos en línea]. Nueva York, Naciones Unidas, División de Población del Departamento de Asuntos Económicos y Sociales, 2019 (https://population.un.org/wpp/).
3. Global accelerated action for the health of adolescents (AA-HA!): guidance to support country implementation. Ginebra, Organización Mundial de la Salud, 2017.
4. Kessler RC, Aguilar-Gaxiola S, Alonso J, Chatterji S, Lee S, Ormel J, et al. The global burden of mental disorders: an update from the WHO World Mental Health (WMH) surveys. Epidemiology and Psychiatric Sciences. 2009;18(1):23-33.
5. Patel V, Flisher AJ, Nikapota A, Malhotra S. Promoting child and adolescent mental health in low and middle income countries. Journal of Child Psychology and Psychiatry. 2008;49(3):313-34.
6. OMS – Manual para la elaboración de directrices, 2ª edición. Ginebra, Organización Mundial de la Salud, 2014.
7. Skeen S, Laurenzi CA, Gordon SL, du Toit S, Tomlinson M, Dua T, et al. Adolescent mental health program components and behavior risk reduction: a meta-analysis. Pediatrics. 2019;144(2):e20183488.
8. O’Callaghan P, McMullen J, Shannon C, Rafferty H, Black A. A randomized controlled trial of trauma-focused cognitive behavioral therapy for sexually exploited, war-affected Congolese girls. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 2013;52(4):359-69.
9. McMullen J, O’Callaghan P, Shannon C, Black A, Eakin J. Group trauma-focused cognitive-behavioural therapy with former child soldiers and other war-affected boys in the DR Congo: a randomised controlled trial. Journal of Child Psychology and Psychiatry. 2013;54(11):1231-41.
10. Berger R, Gelkopf M, Heineberg Y, Zimbardo P. A school-based intervention for reducing posttraumatic symptomatology and intolerance during political violence. Journal of Educational Psychology. 2016;108(6):761-71.
11. Harris MB, Franklin CG. Effects of a cognitive-behavioral, school-based, group intervention with Mexican American pregnant and parenting adolescents. Social Work Research. 2003;27(2):71-83.
12. Ssegonja R, Nystrand C, Feldman I, Sarkadi A, Langenskiold S, Jonsson U. Indicated preventive interventions for depression in children and adolescents: a meta-analysis and meta-regression. Preventive Medicine 2019; 118:7-15. 13. Centro Colaborador para la Salud Mental (Reino Unido), Social Care Institute for Excellence (Reino Unido). Antisocial behaviour and conduct disorders in children and young people: recognition, intervention and management: NICE clinical guidelines, no. 158. Leicester: British Psychological Society; 2013.